Passei por isto tudo antes de acordares para me sentir melhor assim que abrisses os olhos. Tenho muitas coisas na minha cabeça, muita coisa para arrumar dentro das gavetas. Sonhos na gaveta do "por realizar". Memórias dentro do "passado". Memórias no passado. Previsões, no "futuro". Que triste. Que triste aquela noite em que eles se conheceram e não poderam fazer nada para impedir que os olhos não parassem noutro lado. Primeiro as mãos, depois a boca, os olhos, a t-shirt. E a amiga ao lado, a rir-se muito baixinho, a pensar, tás feita ao bife olhas uma vez e ficas nesse estado nem quero pensar quando jantarem ou lancharem ou forem fumar as escondidas da tua irmã, e a amiga a prever, a arrumar tudo muito bem arrumadinho no futuro, não restou nada para mim? Os meus sonhos, as minhas previsões, aquelas coisas todas que deixei por fazer? Para mim não restou nada. Deviam ser amigas, deviam partilhar tudo. Mas não. Ela preferiu deixar-se dormir até tarde enquanto a outra arrumava. Sempre foi um problema, a desarrumação. Sempre foi um problema, as gavetas fechadas à chave que mais ninguém abria, que chatice para isto tinha deixado lá o meu sonho de ser actriz agora ficou ela com ele ainda gostava de saber porquê. Os problemas da intimidade já arruinaram tanta gente.
Pronto. E assim que ficar tudo arrumado, quer dizer, assim que ela acordar, fica tudo bem. Fazem bolachas queques tartes, enfim. Fazem tudo o que as amigas normais fazem. Tás feita ao bife, tás feita ao bife, tás feita ao bife, os teus olhos não vão parar nunca mais, que graça.
