I´m in love with a french singstar, II

Mais uma vez Hans, húmido e rosado, com a sua tez mal cozinhada à qual já nos tinha habituado ao estilo de um pedaço de sushi, embrulhado em mais um conjunto completo de fato e gravata de marca; teria ficado melhor em pelíluca aderente.
Mais uma vez a figura de Gabrielle anjo que lhe pisava o ego em pensamento, como em tantas outras vezes. Digo "mais uma vez" com bastante razão! Por onde andaria Gabrielle e o seu corpo branco de marfim, rijo e bem definido como uma estátua antiga do mesmo material? Para Hans, nunca se lhe esgotariam elogios e comparações; se a sua adorada não gostasse de marfim, ele chamar-lhe-ia madre-pérola, e se ela não gostasse de madre-pérola, chamar-lhe-ia de rubi, safira e diamante; todas as mulheres se pelam por jóias, ainda para mais ao serem comparadas a uma, logo das mais caras. E se os nomes não bastassem para deixar a sua jovem mulherzinha a suspirar pelo seu nome curto e aspero, ele comprar-lhe-ia o marfim, a madre-pérola e todas as jóias que ela quisesse, até que lhe escapasse pela boquinha vermelha e sorridente o pequeno nome, o seu pequeno nome dito como o próprio vento apaixonado diria á terra sua amante, dito suave e com ternura, quase como se fosse um pedido suplicante da sua parte, até que lhe tocasse num ponto onde ele não aguentaria mais a resistir-lhe... Só um nome, apresentado por um gritinho quente de prazer
- Oh Hans...
e isso bastava para que ele não lhe pedisse mais nada em troca. Apenas as suas palavras, toda a sua gratidão expressa em palavras melodiosas e suplicantes como sons saidos de um violino tocado exemplarmente, apenas as palavras lhe chegariam. E claro, o seu sexo.
Quando declarei que Hans, gordo e pegajoso todo bem vestido - digo "bem" porque a roupa lhe chegava para o corpo todo, não "bem" de elegante ou qualquer outro adjectivo semelhante - nunca tinha tido uma mulher que não tivesse pago certamente que não me enganei, e muito menos vos menti; na verdade, não tinha tido mais de 4 mulheres durante toda a sua vida e apenas por breves momentos de embriaguez que lhe permitiram aventurar-se pelo corpo das desconhecidas, até onde o champanhe e o amor delas pelo dinheiro que nascia dos bolsos de Hans lhe permitia. Para todos os efeitos, não quero que me tomem por mentiroso, e sinto necessidade de clarificar o uso do "ter". As mulheres "tiveram-no" inclusive de várias maneiras; de joelhos, sentadas, aborrecidas e enjoadas com o sabor da sua pele extremamente salgada pelo suor, imaginavam frequentemente que dali a meia hora estariam dentro de uma banheira de agua quente, a lavar a boca dos pecados com caviar que o dinheiro mais que suficiente por um serviço tão simples lhe ia pagar. As mulheres "tiveram-no" mas o alemão nunca tinha "tido" as mulheres.
Por isso, tanto quanto sabia, o seu pequeno amigo permanecia intacto e tanto quanto o seu amor próprio permitia ao próprio pensamento envergonhado, ainda era virgem.
Que palavra assustadora! Quanto a isso também não sabia o que fazer e muito menos o que esperar. Sentia-se só, e mais do que só sentia-se humilhado e possessivo, queria a sua doce fada consigo e nem isso podia ter, nem mesmo em pensamento, pois desconhecia todo o procedimento de "ter" uma mulher... Apenas conhecia as palavras, reconhecia os sons sem no entanto ser capaz de os reproduzir sem sentir uma enorme pena de si próprio, do seu enorme e podre si próprio, sem que se lhe espetassem os pelos loiros do corpo em todas as direcçoes...
Ele, Hans, o magnata dos amendoins encontrava-se mais sozinho e cansado do que alguma vez um naufrago se sentira, e até estes podiam encontrar num coco um amigo no meio de uma ilha deserta! Mas hans revoltava-se por dentro, suava dentro da sua camisa cara, a respiraçao tornava-se pesada e o coração lento e de ritmo arrastado, interminável e medonho, deixava um cheiro a refogado para trás, uma verdadeira cozinha de má qualidade reinava dentro de si, tomava conta os seus orgaos cansados de lutar contra a gordura, a podridão e todo o resto, todo o resto que fazia parte de um todo mais do que suficiente para o deixar paralisado ou pior que isso, com fome.
Por isso, nessa noite decidiu ignorar toda a podridão do corpo e saiu até ao seu restaurante favorito, sempre com o anjo gabrielle no pensamento. Pediu a mesa do costume, o vinho do costume e foi atendido por uma empregada nova; a chapa de identificação denunciava Karla. Um nome bruto e rude, sem floreados nem encanto, correspondendo por completo à imagem da mulher alta e robusta que o atendia. As unhas pintadas de um vermelho demasiado vivo eram o unico toque verdadeiramente feminino na mulher, sem contar com os enormes e possantes seios que tão pouco lhe lembravam os da sua mulherzinha de seios de pêra. Estes chamavam a atenção pela imponência, pela maneira como as coisas pareciam desaparecer lá dentro como por magia, enquanto que os de gabrielle ganhavam pela sua graciosidade a que o tinha habituado. A pele dos seios de karla era palida, nada de elogios nem metaforas, apenas realismo e crueza, pois a figura da mulher que o servia nada o incitava para tais afinidades. Quem se julgava ela, alguma senhora dotada de uma voz comparável à dos mais puros anjos na terra? Pobre Karla, nada nela era digno de bondade, de calor humano. Apenas os seus enormes seios continuavam a captar a atenção de Hans, o gordo suado, que pegou no copo de vinho mal a mulher acabou de o servir. A servidão excitava-o. Hans achava-se feito para ser servido, mas ao observar Karla, teve a ideia do quão útil seria servir os outros.
- Tem pernil de javali?
Nao precisou perguntar mais nada. Assim que deu por ele, Hans, o empresário gordo dos amendoins estava em cima da mulher gorda do restaurante, que por sua vez estava em cima da cama mole que abanava, abanava, abanava. E nem sequer teve de pagar directamente, não tinha dormido com nenhuma das outras empregadas de restaurante que o tinham servido antes.
Que queria dizer isto, santos Deus? Santa Gabrielle, que é que eu fiz para merecer isto, para merecer esta dádiva, é obra tua meu amor? Não me podes ter mas queres-me feliz, é isso?
Dentro da cabeça de Karla, rodavam duas palavras. Pernil de javali, pernil de javali.
Porque, querido cliente, tiveste que dizer as palavras mágicas dessa maneira? Foste tu Max, meu querido e morto Max que mandaste meter as palavras mágicas nos apetites deste homem? Obrigada. Sempre me quiseste bem.
Karla e Hans nunca mais se viram, a empregada abandonou o homem como quem abandona o seu dever, sem receber pagamento nem sentimentos em troca. Receberam outras coisas. Fizeram outro tipo de troca, sem acordo nem entendimento especial em comum. Nenhum deles se importou. A muito que tinham deixado os sentimentos com outras pessoas... a partir desse momento, nada mais importa. Nem podridão, nem pernil, nem gordura ou vaidade sem fundamento. Apenas as trocas. A velocidade com que se esquece um grande amor...