Ultimamente não penso. Não tenho ideias complexas e profundas, não leio nada de especial, não me perco em discussões sobre literatura, filosofia e o sentido da vida. Bebo demasiado café. Hoje comi um gelado e fiquei com vontade de comer mais um ou dois. Isto é o que me ocupa. Roupa. Dinheiro. Falta-me sempre dinheiro, não sei onde o gasto. O calor. O que visto com este tempo, a depilação nas pernas que o calor me obriga a prolongar. Não me apetecia ter outras preocupações. Não queria ter de saber que tenho dois testes no mesmo dia, que estou atrasada para a aula e se tenho vontade de fazer xixi mal me sento no auditório. Não queria ter de pensar em adormecer, tenho medo de ter pesadelos. E acordar sozinha? E os meus desejos de ter um cão, ser mãe e ter a minha casa? Só tenho pensado nisto. Não queria ter obrigações, a sério. Não dou para trabalhadora, andante, condutora, pensadora, preocupada com as discussões nas aulas, dedo no ar e a primeira a responder. Nunca sou a primeira a responder, tenho vergonha e prefiro deixar o protagonismo para os outros. E graças a todos estes pormenores e outros parecidos, não penso. Recuso-me.  Prefiro deixar esse trabalho ao meu cérebro, obrigado a comandar o meu corpo e as minhas acções, ultimamente é ele que responde por mim. As vezes demoro a responder. A pergunta demora a entrar em mim. Se olharem nos meus olhos e virem uma cadeira vazia, não estranhem. Fui visitar a minha outra casa e volto já.