Eu culpo as novelas, culpo as pessoas. Ele refila entre a chávena de café e o cinzeiro na outra ponta da mesa e eu contento-me com esta conversa e com esta indignação. Ao contrário dele não tenho nenhuma justificação, não aponto o dedo a ninguém. Se por um lado cada vez vejo menos televisão, continuo a ler muito e isso já ninguém me pode tirar. Sou da geração original dos Morangos mas ao contrário da série, soube pôr um ponto final na minha peregrinação à televisão para ver a história de rapazes e raparigas de 20 anos a fazer o papel de adolescentes de 16 sem borbulhas e que não representam minimamente seja o que for que eles tentam representar. Mas alguém sofre de problemas de dinheiro? Mas alguém tem doenças, gosta de ler, não tem amigos ou falha realmente em alguma coisa? As novelas são um bocado estúpidas, tu tens razão. No meio da crise, há sempre um primo rico, uma herança perdida, uma mala de dinheiro que se encontra na altura mais desesperada da vida. Não há soluções, inventam-se. Algum argumentista agarra num pedaço de papel e escreve a história daquelas pessoas da maneira mais rebuscada possível na esperança que aquela carapuça sirva a alguém, que um bando de miúdos à procura de personalidade tomem aquelas criaturas barbeadas e estupidamente bem penteados como o exemplo das suas vidas.
E se olhassem para os pais? Uma novela só de pais, de avós, de primos e de gente normal. A vida tal e qual como ela é, um reality show sem tirar nem pôr. É complicado não é? Mesmo sem guião, a pressão das câmaras e das luzes não deixa as pessoas serem o que elas realmente são, e assim os miúdos nunca conseguiriam aprender nada. Mais valia continuar a dar-lhes pastilhas elásticas de consumo rápido para a cabeça e que lhes permita cuspir quando lhes apetecer. A mesma coisa com a música. Ou pior. Como não se pode ver, é mais difícil de orientar. Mas vamos tentar outra coisa. E se em vez de novelas, de tanto tempo perdido a criar vidas falsas e irreais, alguém se desse ao trabalho de ensinar uma boa dose de realidade? Ensinar a todos que também é bom não ter sempre exemplos perfeitos. Que errar não é necessariamente mau e que é importante para crescerem em todos os sentidos. Não estou a falar de psicologia, estou a falar de trabalhos e de pessoas. Tudo começa em pequenino, certo? E se eu larguei os Morangos da mesma maneira que acabei por largar a chucha e sobrevivi, é porque não correu assim tão mal para mim. Estou viva, estudo, não tive uma gravidez precoce nem me meti nas drogas. Claro que os meus pais também tiveram a sua dose de influência nisto tudo. Mas se não for por mim, para o que é que será?
Dou-te razão querido, a culpa é das novelas. E das pessoas. Mas se quem faz as novelas são as pessoas e as novelas acabam por fazer as pessoas, estou perante uma situação galinha-ovo que não sei resolver. Quem é que queres que comece por mudar primeiro? Afinal sempre apontei um dedo. Ou dois. Depende do número de actores e actrizes que andem a estragar os sonhos aos nossos putos.