teu querido mês de Maio

Tinha de arranjar um telemóvel para lhe dizer. Pensou mesmo em escrever-lhe uma carta com todas as coisas bonitas sobre ela que nunca lhe tinha dito e que não chegavam nem a metade daquelas que lhe costumava dizer quando tinham momentos de melancolia e partilhavam uma com a outra o amor que sentiam. Se não tivesse o amor da vida dela casava com esta rapariga na hora, mas a verdade é que os amores de amiga não são substitutos de nenhum outro. São realmente exclusivos das raparigas que o sentem. E ainda para mais se ela é linda, tem aqueles olhos amorosos tão característicos de quem não faz mal a ninguém, tem aquela inocência dos miúdos pequeninos que brincam com o fogo vezes sem conta mesmo sabendo que se vão queimar, se veste como se nem um saco lhe pudesse ficar mal, tem cabelo de cortinado claro e uma luz de quem só nos pode fazer bem, mesmo que à maneira dela. Ninguém a pode acusar de ser previsível, aborrecida, pouco inteligente ou insensível. Até com a garrafa de vinho abandonada se comove. Procura refugiar-se em todas as coisas pequeninas até encontrar o seu porto seguro. Gosta de conquistar sem ter de usar só as palavras, usa e abusa do charme inconsciente, não é fascinante? E de um momento para o outro dás por ti e já estás mais que conquistado, já não há volta a dar, ela pode ter as prioridades trocadas, mas como te disse, não há a mais pequena hipótese de te deixares aborrecer ao lado dela. Sabe-te bem estar ali só por estar. É das poucas pessoas brilhantes que conheço. Misteriosas. Não se deixam conhecer assim. Tem sempre planos, sempre pessoas a depender dela apesar de depender de muitas menos. O que é que fazia sem ela? Tinha mesmo de arranjar um telemóvel para lhe dizer isto, tão depressa quanto possível. Tinha de arranjar palavras para lhe dizer que a amo. Queria tirar-lhe fotografias, arranjar-lhe recordações deste dia que ela pudesse guardar, no outro dia fiz-lhe um desenho a lápis de cera, desenhei-nos às duas no meio de uma relva imaginária construída no meio da varanda a esfregar o cabelo contra as flores e ali ficaríamos durante muito tempo a conversar, ela entende-me a mim e eu entendo-a a ela no meio das nossas palavras inventadas, se temos um discurso  próprio é porque se calhar somos mesmo amigas-gémeas, isso ninguém nos tira. Prometo.
Felizes 19 anos. Arranjei o telemóvel para te dizer, só não te escrevi a carta. Escrevi-te em público.