Às vezes sente que gosta demasiado. É mesmo assim que as coisas funcionam, supõe. Uns dão e outros recebem. Naquele ditado que quando se dá uma mão e a outra pessoa quer imediatamente o braço todo, Alice sente-se o braço. Queria tudo. Quem lhe dera poder cortar-se a si próprio, assim ao menos não tinha o desprazer quase diário de sofrer com isso. Alice sente-se sozinha. Tem muitas mãos, muitas pessoas queridas à sua volta que parecem sentir a sua falta, menos aquela que todos os dias decide amarrá-la mais um bocadinho. Claramente que Alice é humana, tem pés, cabelo, coração e um lindo cérebro que faz questão de usar e como não podia deixar de ser, Alice prende-se às pessoas com uma facilidade incrível e, ingenuidade das ingenuidades, espera que as pessoas façam o mesmo. Esquece-se frequentemente que já ninguém se prende como nas histórias, as palavras já nem sequer têm a mesma força, dizer “para sempre” tem a mesma força vocal de “vou ao lixo”, o que lhe vale ainda são os significados. Alice gosta de acreditar que um dia vai ouvir um “para sempre” verdadeiro, só não consegue perceber ainda se o saberá reconhecer ou não. Tem medo de ser um aldeão na história do Pedro e do Lobo, se por cada Lobo que lhe tivesse calhado Alice recebesse 1 euro, já teria conseguido comprar aquele vestido vermelho que a andava a roer o juízo. É isto que a conforta, o consumismo. Se não tem namorado, terá bons sapatos. Se não tem ninguém que lhe envie mensagens de boa noite, terá saias novas. Mesmo assim, Alice contempla um armário cheio e sente-se terrivelmente sozinha. Tudo porque detectou a sua falha horrivelmente humana, o tal gostar demasiado que parece tão simples para todos os outros, menos para ela. Não consegue compreender como é que as amigas respiram de ânimo leve com promessas de “para sempre”, não percebe como é que não se sufocam com a sua própria ingenuidade por acreditarem na maneira leve como aquelas palavras tão fortes são pronunciadas, de tantas vezes que as ouviram também já perderam o valor? Ficam tão serenas perante isto como perante um tsunami na China. Não interessa, está tão longe, não o pode afectar a elas…Alice irrita-se, fica rabugenta, refila e reclama com o condutor do autocarro, tudo por causa das palavras, tudo porque não acredita nem acreditará nunca que palavras daquelas lhe toquem a ela, não acredita que possa sequer pensar em acreditar nessas palavras, o que seria dela se o fizesse? Estaria perdida no meio do Pedro e do Lobo, seria não um braço mas um corpo inteiro com cérebro em forma de coração, seria a melhor mulher imaginária do mundo, a melhor mãe, a melhor dona de casa, a mais apaixonada, a mais carinhosa e dedicada, e isso é uma coisa assustadora de ver não é? O medo das pessoas da intimidade? O medo dos planos a longo prazo? Por essa razão Alice decide-se por não fazer nenhum. Pelo menos para os outros. Dentro da sua cabeça há um baile constante, ela é a Cinderela e ele é o príncipe mais encantado de todos, as promessas do “para sempre” ganham outra dimensão porque dentro da sua cabeça são todas reais, trocava o guarda-roupa todo por uma mão que lhe completasse o braço de uma vez por todas. Mas em vez de uma mão colada, queria uma que simplesmente encaixasse assim, exactamente da maneira como o braço é. Sem tirar nem pôr.