Cara bruxa:

15 de Julho de 2001
Torres Vedras, para Lisboa

Cara bruxa:
Não querendo discutir a sua credibilidade enquanto bruxa, acho que é uma profissão tão boa como outra qualquer, tudo o que dá dinheiro acaba por ser profissão e a sua não foge à regra. Como disse, não quero discutir a sua credibilidade. Essa está espalhada em todo o lado por panfletos, cartazes e anúncios na televisão. Só quero discutir a credibilidade daquela porcaria que me disse para comprar que afinal não serviu mais do que para atrair uma quantidade infinita de mosquitos e baratas que me fizeram gastar mais dinheiro num produto para pragas do que aquele investido na busca do meu verdadeiro amor.
Não sou uma mulher desesperada, considero-me antes... cansada. Não é que lhe tenha de dar explicações, você é que é a bruxa e eu sou a cliente, agora que penso nisso, eu nem lhe devia ter dito nada, você devia ter olhado para os meus olhos e ter dito logo, "você chama-se Maria e anda à procura do amor verdadeiro", assim testava a sua credibilidade por mim em vez de acreditar nos panfletos distribuidos à porta do metro. Pois bem, uma coisa lhe garanto. Para além de muitas outras espécies de cansaços, também estou cansada de ser enganda, compreende? Se não estava com disponibilidade de me ajudar a encontrar o caminho que me levaria ao amor verdadeiro, podia-me ter dito na hora. O dinheiro custou-me 2 meses de renda, porque você disse, "este tipo de magia exige muito esforço de ambas as partes, às vezes o verdadeiro amor ainda não está pronto para ser encontrado Porra. E não me disse nada que eu não soubesse! Eu sei que ele ainda por aí. Não sei se é polaco, húngaro ou português. Se você é a bruxa, não lhe compete a si ajudar-me? Dar-me uma pistazinha? Porra. Agora fico encurralada nesta situação, com a renda da casa atrasada em 2 meses de pagamento e um monte de folhinhas perfumadas enterradas no quintal. A senhora do 5º andar e as filhas já me chamaram de maluquinha. Com isso posso eu bem, porque sei que até sou bem capaz de ser. Mas solteirona? Solteirona é que já não tolero. Tenho 34 anos, desde quando é que está escrito que sou uma solteirona? Sou um coração triste. Sou reservada, falo pouco e com poucos, gosto verdadeiramente de poucas coisas e assim que dou confiança à bruxa, logo a si cara bruxa, deita-me as esperanças todas pelo cano abaixo. Mais uma vez. Como se a Maria já não se tivesse habituado.
Mas sabe que mais? Ao menos convenci-me que sou uma mulher forte. Que nada acontece a menos que eu o deseje muito, e se calhar não desejei com força suficiente. Ou se calhar não acreditei que o molho de folhas que só me trouxeram bicharada me fossem trazer outra coisa que não bicharada. Não acreditei tanto quanto devia mas vamos ser francas, um molho de folhas perfumas para eu enterrar em solo fértil? Francamente. Assim aprendi de uma vez que a única coisa que dará fruto no meu quintal são os morangueiros que lá tenho plantados. Se calhar a culpa é minha, deixo o meu destino nas mãos de outros sem confiar em mim para o fazer andar. Se calhar, a senhora não é mais do que uma psicóloga, finge-se de bruxa e leva-nos a estas conclusões todas. Uma psicóloga com uns serviços extraordinariamente caros. Se calhar o meu destino não passa de um grande monte de se calhar´s. De qualquer maneira, não querendo nunca duvidar da sua credibilidade, termino esta carta a agradecer-lhe. O amor verdadeiro anda aí, e eu não serei certamente um molho de folhas enterrado que só atrairá bicho. Atrairei um homem muito bom. E vou esfregá-lo na cara das folhas que eu costumava ser. Só era a parte do enterrado imóvel sem fazer nenhum, nunca atrai bicho, que fique bem claro que sou uma mulher muito limpa está bem?