Destino:

Ouve. Estou tão irritada. Se pudesse, dava-lhe um tiro. De caçadeira. Na testa, para nunca mais lhe darem beijos. Pegava-lhe fogo ao cabelo. Às meias e à mania que é especial. Porque nem sequer é especial, é só mais um gato de raça confusa, manchado, pingado, de pelo sujo de pó da rua. Porque me irrita. Porque passei por ela, passamos uma pela outra, e a empurrei, sem querer, e saiu-lhe um bocado de arrogância pelo nariz. É pena que não se assoe mais vezes. Gente desta nunca se constipa, nem as doenças lhe colam ao pêlo. Ouve. Ouves-me bem daí? Consegues dar-lhe um tiro, das nuvens? Daqueles que não matam, só fazem comichão. Porque depois de lhe ter chamado tanta coisa, começo a ter remorsos. Mas se me deixares, continuo a pisá-la mais um bocadinho.
Ouve. Não precisas de ouvir com os olhos, não quero que me vejas assim. Só provas ouvidas, custa mais a acreditar. Se alguém te perguntar, nunca disse mal dela ouviste? Ela pode dar-me jeito. Não é que goste dela, nem lhe admire as qualidades. Nada disso. Mas sou oportunista. Maldita mania de dar virtudes a tudo o que mexe. Hoje até as ratazas são amiguinhas das pessoas. Não é que elas pensem duas vezes antes de lhes fazerem chichi para as garrafas de Coca-Cola e as matarem; na verdade, não sei o que é que faz as ratazas amigas das pessoas. Do meu ponto de vista, é o mesmo que faz de mim humana. Nada.
Ouve. Só preciso de alguém que me ouça, bolas! Ouve-me enquanto digo mal dela, comparo a reputação dela ao cotão que me rola entre os dedos dos pés e calo-me. Prometo que me calo para sempre. Por muito que ela goste de mim, não gosto dela. Não a admiro em nada. Não a cumprimento, não a respeito e não lhe sorrio. Não é que sorria a muita gente, mas desculpem lá. Tenho a mania que sou melhor que vocês todos juntos. Tenho a mania das Grandezas, e até onde a minha vista alcança, vocês são pequeninos. Mas eu não importo, não é isso que toda a gente diz de toda a gente? Que ninguém importa. Só a sua opinião. Pois bem. Não me oiçam. Não me liguem, e pensem que vos minto em cada palavra que escrevo, cada linha que falo. Pois bem. Se isto vos fizer felizes, é o meu destino. Mentir e mentir-vos de volta, devolvendo a moedinha em melhor qualidade do que ma entregaram. Mais brilhante, melhor, de maior valor. Se minto, é porque posso. Se não mentisse, gostavam de me ouvir na mesma?
Ouve. Achas que é verdade quando digo que te amo? Pondo a questão ao contrário. Achas que te minto quando digo que a detesto?