A mulher santinha a mim não me convém


Madame Flor chega a casa cansada, pousa as chaves na mesinha cor-de-rosa com panos bordados e calça as pantufas cor-de-rosa felpudas oferecidas pelo seu Frufru d´Almeida em missão pela África dentro, sabe-se lá quando voltará mas certamente será em breve, muito em breve porque leu no Horóscopo da semana passada que "melhores dias lhe sorrirão, não desanime!" e é assim que passa os seus dias, a escrever uma coluna sobre "Tudo o que precisa saber para sobreviver aos Homens" muito ao estilo Cárri Brádshau no Séx and da Citi que passou na televisão a um sábado à tarde (e a fascinou como nem o seu Frufru a tinha fascinado antes), no jornal da aldeia religiosamente lido e cumprido pelas 15 habitantes de Prados Secos que para lá andavam perdidas, por amor, por homem, pelo verdadeiro Séx numa verdadeira Citi.
Pegou no correio, passou os olhos de pestanas louras pelas cartas e nem uma do seu Frufru, de tão encantado com as Áfricas ele andava que se deve ter esquecido de escrever à sua bonequinha, sempre apresentada numa imagem tão frágil e inocente tal e qual santinha da aldeia, digna de mostruário de ouro e de muitos raminhos de flores à volta, com pedidos de "Por favor madame Florzinha, salve o meu casamento e que Deus lhe pague que eu não posso". E muito estranho, mesmo para si, não tinha nenhum pedido de casamento. Ao longo da sua vida, Madame Flor tinha recebido cerca de 15 pedidos de casamento, quase todos eles de homens recentemente divorciados ou recentemente sóbrios, desejosos de arranjar uma mulherzinha - papel que Madame Flor cumpria na perfeição. Digo Madame Flor porque ela própria gostava de dar uma imagem de mulher culta e de Filmi Stár, de vedeta probrezinha e escondida numa aldeia perdida para o país, que havia de ser descoberta mais cedo ou mais tarde, cheia de talentos e vontades pobrezinhas. Toda a gente gosta de uma mulher pura e pobrezinha! Gostam tanto que recebia pedidos de casamento quase mensalmente, como contas de pagar a luz ou o gás. Madame Flor gostava tanto de pensar em si própria que quando pensava imaginava-se sempre cheia de virtudes e todas elas, boas de se casar; imaginava-se a cozinhar para um homem, fazer caminhas e ter bebés. Aliás, toda a aldeia estranhava que Madame Flor não fosse uma mulher casada e bem colocada na vida; com uma escrita tão fashion e moderna , qualquer homem cairia na sua rede assim que ela pestanejasse. Coisa estranha, o amor. Coisa estranha, a atracção. Que Madame Flor exercia sobre os homems, e que os homens em geral não exerciam sobre Madame Flor. Só o seu Frufru d´Almeida, bem colocado e sensual em toda a sua pose e figura de macho a cativaram, e logo agora tinha que partir para as Áfricas em missão! Logo agora!
Logo agora que tinham feito o...o... Séx, pronto e ela tinha...gritado vá, que nem uma santa
OH MEU DEUS OH MEU DEUS OH MEU DEUS OH MEU DEUS OOOOOH MEEEEU DEEEEEEEEUS
e o seu Frufru parecia ter gostado... parecia ter gostado das coisas cor-de-rosa felpudas por toda a casa... Logo agora!
E agora? Continuaria a ler o Horóscopo, quiçá todos os santinhos do Universo se tivessem unido para a ajudar na sua batalha contra a solidão e as palavras feias... Quiçá o amor lhe batesse à porta mais rápido do que o seu Frufru, que agora podia demorar mais tempo que o esperado... Dois ou três anos... Dois ou três séculos... Madame Flor queria era homem. Madame Flor deixou de ser Menina em 1987 às quatro e meia da tarde com o tio Palmiro que cheirava a coentro e a partir daí, nada a parou. O tio Palmiro podia ter mais 45 anos que ela mas continuava a ser homem, e servia. Ponto. Madame Flor ganhou seu título com sangue e suor como gostava de dizer, apesar das más línguas dizerem imediatamente por trás muito suor e pouco sangue, mas como digo eram só mesmo invejosas e más línguas, mas também eram só 23...
Madame Flor gostava de Séx, e por isso, escrevia sobre ele. Inventava mais do que dizia fazer, mas escrevia. E as 15 mulheres adoravam, fechadas em Prados Secos desde crianças e quase todas, virgens da Silva. E de Sousa, porque só 9 eram filhas do mesmo pai e mães diferentes. Havia muita consanguinidade em Prados Secos, e Madame Flor não era excepção. Frufru fora, tio e primos dentro. Eram poucos, mas repetiam-se, como os brindes que saiam no Bingo da aldeia.
A mulher santinha ao Frufru não lhe convinha. E a verdade é que o mesmo desconhecia por completo a faceta Séxi e Wailde da sua bonequinha, que via como um objecto de decoração. Sem coração, todo ele partido aos bocados e impediedoso no seu porte de macho latino, Frufru d´Almeida refugiava-se em Milão e Barcelona onde as tchichas eram mui guapas e as princepessas nasciam em cada esquina. Qual África, qual deserto, qual quê. Mulher santinha a ele não lhe convinha. Nem mulher santinha nem Madame Flor, que esperava plantada no quintal, à espera que lhe calhasse um cromo repetido... ou um Frufru dentro do correio.