Quantos anos tens?

"Filipe?
Estás aí? Assustaste-me, nunca sei onde é que te escondes."
Às vezes pareçe que te ouço em todo o lado. Pior, que te vejo a entrar no meu quarto meio-escondido meio-pateta, comigo a fingir que não te vejo. Que não sei que me vieste pregar um susto.
"Filipe, pára de brincar.
Porquê?
Porque me assustas. Ouço os teus pés pelo quarto mas não sei onde te metes.
Estou aqui.
Onde?"
Por esta altura, já desviei os olhos dos livros na secretária e faço a cadeira rodar sobre si própria, para o ver melhor. Para saber dele, mais do que alguma vez soube. Normalmente assim que me via encolher os ombros e dizer
"Pronto, fica aí para sempre."
desistia da brincadeira, saía aborrecido detrás da porta ou da cadeira e vinha pedir-me para o entreter um bocadinho que estava farto dos jogos dele. E eu sempre a responder que
"Não tenho tempo, por amor de Deus... Vai ajudar a mãe na cozinha ou assim"
e perdia sempre mais uma oportunidade de saber dele. Apesar de só ter 6 anos. Nunca soube mesmo nada dele, e pela ordem das coisas, tinha obrigação de o conhecer melhor que ele a mim. 6 anos são muito tempo.
Nunca soube onde é que o meu irmão se escondia. Dentro de si próprio?
Não. Isso era eu, sempre fui.
"Mana, o que é isto..
Não é para brincares.
Porque?
Porque és anão, e os anões não podem brincar com mp3´s.
Não sou anão."
Ficava furioso de lhe chamar anão. Via o pai, todo o fascínio dos rapazes pelo pai a revelar-se aos seus olhos com um brilho enorme; olhava para si, tão pequeno que nem fazia faísca. Sentia-se triste. E eu a pôr sal na ferida,
"Oh porquê, tens mesmo ar de anão."
e ele a cerrar os olhos e a concentrar-se para não gritar comigo. Devia ser ao contrário. Sempre fui a mais pequena da relação.
"Filipe? Porque é que te perdi?"
Agora nunca mais te encontro. Nunca mais ouço os teus pés, o teu silêncio meio-escondido meio-pateta, as tuas mãos pequeninas e ágeis a abrir-me gavetas e a fazer-me cócegas.
Nunca mais te encontro...é tão certo como nunca mais te perder.