Quando a Tua Boca não Mexe


"Se toda a gente pensasse antes de abrir a boca, vivia-se num mundo muito menos violento"
Não tenho nada contra as tuas opiniões; aliás, acho que as valorizo mais do que elas merecem na maior parte das vezes. A verdade é que me custa ficar a ver-te a falar e não poder fazer nada para te impedir. Ficas tão bonita quando não falas. Como se eu fosse um palco e tu uma Bailarina em fato de cetim, dançando por mim fora, tocando-me levemente com a ponta das tuas sapatilhas. Dançar é um acto muito mais inteligente do que falar, muito menos castigador. Podes ter uma voz feia e palavras bonitas, mas nunca ninguém te vai querer ouvir pela primeira razão; a dança é diferente. Podes ter uma cara feia e movimentos de fada, a tua voz não interessa, assim como a cor dos teus olhos e a posição do teu nariz. O resto do teu corpo fala por ti, e compensa todo o mal. A dança não pensa, e quando o faz, o espectador não percebe, não atinge. Por isto mesmo, todo o acto na sua plenitude é mais inteligente do que um molho de palavras tingidas num livro de capa dura. Vê-se melhor. Nunca ninguém teve de usar óculos por ver demasiados bailados. Nunca ninguém discutiu a cara das bailarinas. Porquê? Porque não interessa.
"Como as minhas opiniões, estás cheio de vontade de me dizer isso. Tu próprio falas, és um ser imperfeito e pões-te ao suposto nível de estupidez do resto do mundo. Queria ver quanto tempo demorava o teu patrão a despedir-te se em vez de preencher papéis, dançasses em cima das mesas do escritório para todos verem."
Estás a ver porque é que ficas melhor calada? A tua boca não mexe, os cantinhos não enrugam e a tua testa não franze como se fosse um lençol em uso. Ficas melhor calada porque nunca me ouviste dizer que sou um bailarino, da mesma maneira que nunca me consideraria um mesmo no escuro, seja lá o que isso for. Deixo esse papel para as pessoas verdadeiramente inteligentes, que possuem o dom de captar atenções sem utilizar o outro dom da palavra. Já viste, Sofia? Um nome tão flutuante para uma pessoa como tu. Cheia de opiniões e ainda tão nova. Pesada. Dura que nem rocha. Quando a tua boca não mexe, tenho mais orgulho em ti. Como te disse, olha-se melhor. Toda a tua figura é digna de ser admirada e estudada, desde os teus pés pequeninos às mãos desenhadas. Não preciso de pensar para olhar para ti, a informação chega-me direitinha e traduz-se em palavras pequenas que entram bem na cabeça de qualquer um. Anjo. Bonita. Amor. Delicada. Silêncio. Se não estivesse tão apaixonado por ti - literalmente por um ti exterior que o teu interior deu, ou não fosse a tua imagem reflexo do que sentes - seria mais imparcial. Se não estivesse tão apaixonado, suportaria ouvir-te falar e aí sim, matares os meus sentimentos com palavras; conheço-os mal para saber como reagir. No entanto, quando a tua boca mexe, sinto que alguma coisa má se aproxima, como um tremor de terra; um tremor na terra da minha cabeça pressentindo que não vais dançar para mim a menos que eu te deixe matares-me mais um bocadinho.