Cartão Jovem daqui a 20 anos

Quando era pequenina, achava que me reconheceria como "grande" quando aprendesse a dizer coisas tão simples como "frigorifico" e "fotografia". Hoje já consigo dizer frigorifico sem omitir r´s e meter o´s a mais, mas ainda não me sinto exactamente "grande". Ainda escrevo, digo e faço coisas assumidamente "não-grandes". Ainda ando com o yo-yo atrás. Ainda gosto mais de me sentar no chão do que no sofá. Ainda gosto de adormecer com a luz acessa. Ainda digo "rapazes" em vez de "gajos". Ao mesmo tempo, cada vez se torna mais claro que já não sou pequenina; não me vou pôr aqui com a história da puberdade, falar dos pêlos e das maminhas que isso é demasiado notório para poder ser discutido nem que seja mais uma vez. Falo de outras ideias, outra linguagem, outros usos. Confesso que não vou nada com a cara da maior parte dos jovens de hoje, com aquela obsessão pela rebeldia sem causa. Mas obviamente que os jovens não são todos iguais. Há aquela juventude de celebração, do corpo que não pára, do gregarismo, aquele pessoal todo amontoado numa discoteca com o qual muitas vezes me confundo e admito, adoro.
Há a juventude das depressões e do que passa despercebido, das paixões e do suicídio, de vontade de atirar coisas ao céu e esperar que não nos caiam em cima. Claro que sei o que isto é, sou tal e qual o clima dos Açores: acontece tudo isto num dia, num pequeno espaço de 24 horas.
Mas sei que isto vai mudar, e gostava de guardar isto que estou a viver como uma gaze que envolve as feridas, que só aos poucos se vai desfazendo. Daqui a uns anos vou estar viciada na nostalgia, sentar-me no meu sofá, porque afinal é assim que deve ser, ver uma série tipo Morangos com Açúcar e pensar que aquilo era completamente fatela mas mesmo assim, não deixa de fazer saudade. Talvez seja casada, com 2 ou 6 filhos e socialmente activa. Já vou dizer "no meu tempo". O meu tempo foi o tempo em que fui jovem. Talvez a parte da juventude que não tive se vá revelar no futuro, em episódios que nem os meus amigos vão perceber. Acessos de deslumbramento, de irresponsabilidade tardia, de vida vivida com o coração em vez de conceitos e muitos cuidados. Talvez.
A partir de que momento é que vou deixar de ser jovem? Uma vez li uma frase do meu querido António Lobo Antunes em que ele se referia a si próprio como um "rapazinho cujo envelope se gastou". O meu envelope ainda está tão limpinho e eu com tanto medo do que ainda está para vir...
Daqui a 20 anos, substituo de vez o cartão jovem que me dava tanto descontos por um cartão de crédito, enorme, brilhante com tanta responsabilidade agarrada. Daqui a 20 anos vou ser tudo e mais alguma coisa, 36 anos. Vou passar a "adulta que se acha jovem". De adulta que se vai achar demasiado velha. De mulher a rapariga, que está na casa dos 30 e se vai sentir no limbo da sua idade.