É um facto que eu adoro o Miguel Esteves Cardoso; por ser um exemplo raro de homem que apesar não ser um regalo à vista, tem uma escrita de fazer inveja a 97% da população do nosso Portugal.
Na minha leitura semanal de uma das únicas revistas que ainda me dou ao trabalho de comprar, deparei-me com uma mini-entrevista feita ao senhor Miguel e é com toda a inveja/orgulho que a passo para o meu humilde blog, para que possam compreender e por-se na minha pele quando lêem qualquer coisa dele. Depois não me venham cá dizer que saber falar e escrever não compensa...
1. Lisboa é fodida?
R: Estas são aquelas perguntas que aliciam o entrevistado para uma despiada fácil. Geralmente ele não resiste e estampa-se ao comprido. O tom do respondente é sempre hostil, para dar a ideia de que o questionário é estúpido mas ele não. Nunca ocorre ao português recusar-se a responder. Quer no saco e no papo: quer o prestígio de não responder (sendo malcriado, parecendo incomodado) e, ao mesmo tempo a publicidade de responder.
A fórmula geral nunca diverge muito da seguinte: "Vê lá tu os gajos da ***** mandaram-me uma merda dum questionário a ver se me fodiam - mas quem os fodeu fui eu... porque dei completamente a volta àquela merda, eu questionei o próprio questionário!"
Da vossa parte, pegar em títulos de livros é um clássico da preguiça bajuladora. Se fosse Saramago, perguntariam " O cerco a Lisboa continua?"; se Lobo Antunes " Lisboa presta-se ao fado Alexandrino?"; se o autor do Totobola "Lisboa contra Futuro:1,X ou 2?"
Mas basta de "I know what you´re up to" e de "I´m on to you". Para não estar com meias palavras, escudado pelo inglês, deixem-me ser taxativo, para que fique claro: eu sei o que é que vocês estão acima para e eu estou em cima para vós.
Como exemplos das respostas a " Lisboa é fodida?", o método clássico daria: " Cada vez mais/ Regularmente/ Por mim não/ Só de luz apagada/ Depende de quem a foder"
No meu romance " O amor é fodido ", o sentido de "dificil, tramado" não era o principal. O amor é fodido pelos amantes. Mas foi o outro que ficou. Fodi-me. E foi bem feito. Obrigado por terem feito um questionário só para mim - deve ter demorado horas.
2. Que restaurante é que a ASAE não pode fechar?
R: A ASAE é uma organização terrorista que tem de ser desmantelada.
3. Onde é que se come o melhor doce de Lisboa?
R: Uma coisa é certa e triste; nunca se morre com a consciência de ter comido, ao longo da vida, pastéis de Belém suficientes...
4. Ah, a bela Lisboa dos anos 80... Aquolo de que tem mais saudades é...
R: Em Lisboa nos anos 80 estávamos todos ocupados a fingir que estavamos nos anos 50. Agora que eles sabem bem, é tarde de mais. Mas exactamente tarde de mais para saberem bem.
5. Qual o lugar da cidade onde se encontram mais mulheres giras por metro quadrado?
R: As mulheres giras nunca se aglomeram. É preciso desencantá-las uma a uma. É raro haver quem consiga. Uma por vida já é um exagero.
6. Que lugar de Lisboa recomendaria ao seu pior inimigo?
R: A casa da mãe dele?
7. Já chorou nas ruas da cidade?
R: Nas? Pelas, ao lado, um bocadinho acima, entre, em vez delas, por causa delas, com a cara contra elas, rindo por cima ou passando por baixo, a janela ou para cima da chuva. E, apesar de tudo isto, as ruas da cidade já alguma vez choraram por mim? Muitas, coitadas. Tenho mas é de aprender a voar.
8. Qual o seu cemitério favorito?
R: Já lá estão enterradas tantas pessoas amadas que só me dá raiva olhar para eles. É preciso ser-se muito novo - e muito tolinho - para achar piada a cemitérios.
9. O que é que pensou quando lhe disseram que Lisboa ia ter uma Time Out?
R: Pensei que ia ser uma merda maior do que qualquer outra merda que há memória na cidade de Lisboa. Afinal é a melhor coisa que já nos aconteceu.