Pegando em
todos os pormenores da vida que julgava começar a ter nos eixos, reconhecia
como grande final que não se conhecia. Não fazia a menor ideia de quem era
aquela rapariga que começava a sorrir para as borbulhas que desapareciam aos
poucos, pois sempre lhe tinham dito que o acne aos 20 já era coisa do antigamente
e que hoje em dia toda a gente conseguia ter uma pele perfeita sem se esforçar
minimamente. Não conhecia aquela cor de cabelo, hoje na moda estavam os
vermelhos e os ruivos e o dela nem sequer de um nem de outro se aproximava.
Pintar era a solução. Ou começar por aceitar-se? Isso sim seria uma mudança. Sentir-se
bem na sua pele. Olhar para todas aquelas pessoas na rua e compreender que
podiam ser todas diferentes, umas melhores outras piores, mas finalmente
diferentes e que ela não se podia tentar encaixar em nenhum dos géneros que
rotulava porque não cabia em nenhum rótulo, era demasiado grande mas também
inexistente. O sol fazia-a sorrir, isso sabia. A Primavera trazia uma sensação
renovada de quente que lhe aconchegava os ossos, também eles sorriam e doíam
menos. Nunca foi uma pessoa sofredora, com más memórias e fotografias de mares
e florestas com frases profundas escritas a branco algures, isso não a definia
nem quando se sentia melancólica. Reformulava então todos os dias aquela frase
primordial que repetia em jeito de espetáculo performativo em frente às pessoas
que conhecia: eu também me conheço. Mentira: eu não faço a mais pálida ideia de
quem sou e não há mal nenhum disso. Eu não pertenço a lado nenhum, melhor
ainda, posso ser de todo o lado. Eu não sou nada, só no fim saberei o que fui. Perfeição
das perfeições! Vai sendo. E hoje ia ser uma bailarina a solo.