'Tou aborrecida.

Sento-me na grande poltrona da minha sala. Abro as pernas, moles, e deixo-me escorregar até me confundir com o tecido. A minha cara derrete, ao mesmo tempo das minhas ideias. O que penso já nem sei, já expirei a última linha de pensamento juntamente com este cigarro que se apagou na minha mão. Desfez-se como um cadáver velho que já ali está encostado à muito tempo.
Esta sou eu, derretida de tempo. Sou como as velas. Deixo-me genuinamente fundir com a grande poltrona que já foi usada pela minha avó, pela avó dela, pela avó da avó dela. Não me importo de ficar sem pele. Desde que me leve também as ideias.
Continuo aborrecida. Mesmo sem cérebro continuo a pensar. Olho para ele, alguém lhe espetou um pavio e acendeu uma luz, qualquer coisa que as pessoas chamam de vela. Mesmo sem cérebro, ninguém quer dançar comigo. Por isso, continuo na poltrona até que alguém venha arrancar este velho tecido e a venha forrar com qualquer coisa nova e brilhante. Tipo veludo.