Carta que Francisca deixou a seu namorado antes de sair para a ginástica #

"Sabes. Há alturas em que rebento, tu conheces-me, preciso de dizer qualquer coisa estúpida, preciso de te ouvir. De ler qualquer coisa que me tenhas escrito e enviado à pressa. Não trouxe meias, fiz uma ferida no calcanhar. Quero saber tudo. Vê se compreendes a maneira como todos os teus pormenores me interessam, como a tua vida subitamente se sobrepõe a todos os detalhes da minha como se eu vivesse para te substituir, para te ver passar. Está errado, pois claro que está. Eu tinha uma pessoa sabes, tinha projectos antes de apareceres mas subitamente, e como se já não fosse tudo isto suficiente ainda para mais não consigo explicar porquê, todos os meus planos e desejos se alteraram para se conjugarem e poderem viver com os teus, tudo te passou a incluir. Não desejo outra coisa. Não foi propositado nem me obriguei assim. Fui eu que escolhi, não escolhendo nada. Foi aqui que acabei - ou comecei, já nem sequer sei - por tua causa, por absolutamente nada. Preciso de falar contigo assim que voltes do futebol, é que é assim, espero que compreendas, não desejo separar-me de ti nunca mais deste dia para a frente. Compreendo o teu futebol, os amigos, o trabalho. Espero que me compreendas a mim. Há alturas em que parece que não vou aguentar, que tudo o que tenho cá dentro se vai espalhar pelas paredes da casa, estou tão feliz que já nem sei o que isso é, logo eu, neste estado em que mais nada nos surpreende ou fascina porque encontramos a coisa mais fascinante de todas. Já não sei estar completamente triste nem sozinha. Compreendes o que quero dizer quando te digo que te amo mais do que me amo a mim? É isto. Ponho as tuas necessidades à frente das minhas. Se tiveres fome, eu abdico do meu lanche para partilhar contigo. Ou para to dar todo. Só te quero satisfeito, nem que por breves instantes estúpidos e dos quais te vais esquecer daqui a umas horas. Mas afinal não é isto o amor, ou o amor como eu gosto de o ver, a partilha absoluta e abdicar de mim, para ti? Não foi o que Jesus me ensinou? E eu aprendo tão depressa o que me interessa, juro que aprendo. Volta depressa. Não me voltes todo ferido e com dores no joelho, não me obrigues a dar-te massagens que eu gosto tanto, não adormeças e me obrigues a ficar acordada para te ver dormir, não dependas de mim que eu endoideço, não faças nada do que eu gosto. Vamos só existir que isso já me deixa maravilhada."