Inês

No banho, tentou tirar a noite do corpo. Esfregou-se com a esponja forte, cheia de espuma, a água corria-lhe sobre a testa mas não levava consigo as recordações, apenas a sujidade. Que podia fazer?  Inês tinha beijado 6 homens, de nem uma cara se lembrava, pareciam-lhe todas iguais porque em todas as diferentes identificava uma única, Jorge, onde é que ele andava, procurou em 6 bocas diferentes a dele e não a encontrou em lado nenhum, depois de sentir o sabor diferente da conquista na língua afastava as suas cobaias com força, achavam-na confusa, primeiro agarrava-se a eles como uma lapa e depois rejeitava-os como leprosos, mas que podia fazer? Não era aquela boca, aquele cheiro que procurava. Onde é que ele andava, era a pergunta que tinha andado a noite toda à espera de responder, nenhum cabelo lhe parecia sequer parecido, nenhuma altura correspondia à dele. E no meio dos 6 rapazes na verdade nem um único lhe fazia lembrar de Jorge, tinham sido apenas o fim do desespero, não podia sair da discoteca que ainda era muito cedo, não podia ficar ali muito tempo porque ainda tinha muitos sítios do Porto para correr, ele tinha de andar por ali. Já tinha estado em 5 diferentes, percorria-as como campainhas, quando não o encontrava ia-se embora com a mesma rapidez que tinha entrado. Em 5 discotecas, 6 rapazes. Esta última tinha sido a mais concorrida, mais rapazes a fizeram lembrar de Jorge sabia lá a que propósito, se calhar era do álcool e da droga que lhe entrava no sangue a uma velocidade estúpida, às vezes Inês pensava em Jorge por razão nenhuma aparente e quando dava por ela, declamava frases deles, dos primeiros encontros, dos encontros mais ou menos recentes, das festas e das discussões. Contra as árvores, Inês dizia:
- Mas Inês, ficava-te tão bem o vestido azul...
- Então eu levo o azul, pronto, gostas tanto de me ver com ele que qualquer dia fica todo gasto das vezes que o uso, também tenho de o lavar sabes? E perde a cor...
E nestes diálogo reconquistava alguma espécie de conforto, era triste e engraçado para quem via de fora, mas Inês não achava piada nenhuma, levava todo aquele teatro muito a sério pois queria lembrar-se de tudo e como a tinham ensinado para os testes, a melhor maneira de recordar as coisas é lê-las e repeti-las muitas vezes, mesmo que de tantas vezes as palavras percam o sentido...
E Inês esfregava-se, passava a esponja com violência contra as pernas onde a tinham tocado durante a noite, depois da pele dorida continuava a sentir-se suja, porque é que Jorge nunca mais lhe tinha ligado? Porque é que nunca mais tinha aparecido? Onde é que ele anda?
Um amor como Jorge que desaparece era pior para Inês do que se ele tivesse morrido. Ao menos teria direito a um funeral, a um luto generalizado, poderia confortar-se e fechar o coração dizendo
nunca vou ter mais ninguém, ele era o amor da minha vida
e viver nesta expectativa sem fundamento, a morte corta tudo pela raíz, quem é que poderia contradizer Inês a propósito da teoria do grande amor que já não pode responder? Um amor com pronúncia, sapatos de vela e camisas com cheiro a lavanda, quem é que lhe trazia o cheiro de volta?
antes estivesses morto. não tinha de te procurar nas bocas todas que me aparecem à frente, antes estivesses enterrado, não tinha este vazio de te perder para o mundo.
Era trágico, ela sabia. Era nova, também sabia. Mas porque não podiam os novos sofrer como os velhos, mudam-se os tempos também se mudam os sentimentos? A única coisa que a água não lava é a memória, a mãe chamou-a que estava à mais de 10 minutos no banho, como se 10 minutos chegassem para arrastar para o cano o infinito.