Ultimamente tenho pensado na sorte. Na que tenho e na que podia ter. De qualquer maneira não tenho tido nada de especial para dizer e imagino a sorte de muitos na quantidade de palavras que os tenho poupado de me ouvirem dizer. Ou escrever.
De qualquer maneira. Ainda alguém acredita na sorte? Ainda alguém acredita na cigana que nos lê a palma da mão com toda a sabedoria do mundo e nos dita qualquer coisa? É esta a minha sorte, que afinal está escrita na palma da minha mão - precisamente aquela tão utilizada nas metáforas do conhecimento mais sério e profundo (o "não te preocupes amorzinho que conheço esta zona como a palma da minha mão" já não funciona, vamos todos expulsar esta do nosso dicionário se faz favor), está tão à vista que nem sequer a reconheço? Está tão clara para todos menos para mim, que nem a consigo ler? Que raio de sorte é esta? Se algum outro dia, outro qualquer, a cigana me chamar e pedir 5 euros pela minha sorte, despeço-me dela ali mesmo. Não a quereria a troco de dinheiro nenhum. Quero-a intacta, sem nunca ter sido anunciada, nunca se sabe o que poderia acontecer se ficasse de repente visível, tão exposta. Demasiado sozinha.
Se ultimamente tenho pensado na sorte é porque me tem apetecido. Não tenho feito de propósito. E a verdade é que a cigana voltou a passar por mim, ou eu a passar pela cigana como quiserem, me tentou chamar e eu andei depressa para apanhar o autocarro que milagrosamente chegou nos segundos em que me aproximava da paragem. Sorri ao autocarro, não à sorte. Essa ficou por saber nos olhos de alguém que a leia melhor que eu. Não tenho sorte nenhuma. Tenho é outra coisa, coincidências no bolso para dar e vender. Não é a sorte diferente dos milagres? Prefiro os segundos. Não estão escritos em lado nenhum, muito menos na palma das mãos. Nem as coincidências. São mais difíceis de prever. E como o mundo se quer imprevisível, a sorte há-de ser abandonada, aos poucos. A si própria.