Nós, as assim-assim

Cheguei à conclusão recente que fazemos parte de um grupo de raparigas que se auto-intitulam assim-assim. Nem rurais - a confusão de Lisboa ao fim da tarde - nem citadinas - a ideia eterna de amor e uma cabana -, nem pequenas - as calças que assentam perfeitamente sem ter de fazer bainha - nem grandes - quando as túnicas que deviam dar pela cintura ficam pelos joelhos - nem se acham demasiado bonitas - encontrar sempre um defeito qualquer nem que seja na disposição dos olhos - nem demasiado feias - apesar de tudo até ter bons dentes -, nem que gostam demasiado de sair - que sabe sempre tão bem ficar em casa à noite a gramar séries - nem que ficam sempre em casa- cansam-se rapidamente de estar com o rabo no sofá o dia todo.
Nós, as assim-assim, vivemos no meio-termo: temos dinheiro na carteira , gastamos quase sempre até ao fim, mas guardamos qualquer coisa não vá o diabo tecê-las. Nós, as assim-assim, habituamo-nos praticamente a tudo. Somos comodistas mas ao mesmo tempo capazes de contestar com o vizinho de cima porque deixou cair a mola na nossa varanda. Mas também somos preguiçosas. Não temos género. Podemos apaixonar-nos por um músico grunge ou por um Cristiano Ronaldo. Gostamos tanto de salgado quanto de doce. Gostamos tanto de rir como (ou quase mais até) de chorar. Ficamos tocadas com o homem que pede na rua mas somos incapazes de nos indignar com a fome em África. Nós, as assim-assim, passamos nas montras das lojas e tanto nos podemos sentir mais bonitas que as manequins ou piores que a fruta podre que deixaram cair à porta da loja. Assim-assim nem sempre significa meio-termo para nós. As vezes é mais parecido com extremos. Nós, as assim-assim, gostamos das coisas à nossa maneira; estamos habituadas a fazer tudo sozinhas. Até aparecer alguém de quem ficamos extremamente dependentes. Ser assim-assim nem sempre é mau. É mais imprevisível que mau. Somos capazes de nos ligar e desligar do mundo com a facilidade de um telefone. Nós as assim-assim, não fazemos por mal. Se há ditado que nos assente é aquele, 
- não é defeito, é feitio
e quanto a isso há pouco que estas raparigas possam fazer. Se Deus lhes deu um coração e um cérebro e se elas têm dificuldade em conjugar os dois, quem é que lhes pode exigir mais do que elas já fazem? Com um coração e uma cabeça vocês conhecem alguém que não seja de extremos? Elas não. De verdade só se conhecem a elas próprias, e às vezes mal. É o problema dos extremos. Mas também é divertido. Surpreendem-se com a sua estupidez e com a inteligência instantânea. Assim-assim vão aprendendo com os erros, ou não. Se a perfeição fizesse fila até ao céu elas seriam certamente das últimas da fila: ou se têm em muito má conta ou são pura e simplesmente péssimas pessoas. Onde toda a gente é verdadeiramente assim-assim, tipos porreiros, elas falham redondamente. A simpatia não é o seu forte. Sentem-se ameaçadas com pessoas simpáticas - quando a esmola é grande o pobre desconfia. Depois abrem-se em sorrisos. Mas só depois. Se se enganarem com a pessoa, volta tudo ao princípio. Nós, as assim-assim, somos exactamente tudo o que acabei de escrever. Andamos disfarçadas entre as pessoas, mascaradas com roupa e com cursos de licenciatura para não parecer muito mal. Pela sua vontade, o mundo era uma espécie de sala experimental sem gravidade onde perguntariam vezes sem conta,
- pode repetir? é que não estava cá.
E na verdade não estavam. Se alguém perguntar por elas repitam-lhes o título do livro e digam-lhes que voaram para a Nova Zelândia, haverá mais extremo de Portugal? Para as educar não se esqueçam de lhes oferecer quente que elas certamente lhes pedirão frio.