Cerimónia dos pinguins

Numa noite como muitas outras, Carolina Raquel deitou-se na cama demasiado grande sem ajeitar a almofada estranhamente pequena e ao sentir as costas do homem com quem se deitava à mais de 10 anos contra o seu braço, disse:
- Carlos.
- Hm.
- Carlos?
- Diz Raquel.
- Ainda me amas?
Um Carlos Alberto estremunhado virou-se para o lado de Carolina Raquel e murmurou qualquer coisa como,
- Que conversa é essa mulher, claro que te amo.
Por um motivo qualquer, Carolina Raquel aceitou a resposta, apagou a luz do pequeno candeeiro azul e fechou os olhos. Não dormiu nessa noite. Tinha-se esquecido de como era ser amada, e não saberia como acordar no dia seguinte e abrir os olhos para um Carlos Alberto que já não sabia se amava.
Nas noites seguintes, a mesma pergunta.
- Carlos?
- Raquel.
- Ainda me amas?
- Mas que conversa é essa outra vez, já não te disse que sim?
- Diz outra vez.
- Claro que te amo mulher.
E foi assim que ele, o amor, renasceu. Numa praia nasceu uma pequena flor a abrir-se aos poucos num terreno árido. Começou com pequenas frases, quando Carolina Raquel pensava que já estava tudo acabado. Conversas de 3 linhas deram origem a 4, a 5, a 12 e 26 linhas todas as noites, na cama demasiado grande para duas pessoas demasiado sozinhas. De repente a cama já não pareceu tão grande, Carlos Alberto encostava-se cada vez mais ao braço de Carolina Raquel e as duas pessoas já não se sentiam tão sozinhas, a cama encolhia e encolhia de noite para noite, até ambos começarem a sofrer de uma falta de espaço tão grande que chegaram a pensar em comprar uma cama maior. Entretanto, numa noite de proximidade quase insuportável, Carolina Raquel e Carlos Alberto deram a maior prova de amor que um mundo pode pedir: dormiram agarrados, e no dia seguinte, acordaram exactamente na mesma posição na qual tinham adormecido. Incrível não é? Como duas pessoas tão sozinhas se encontram tão facilmente se assim o desejarem. Mesmo que se tenham perdido num espaço tão demasiado pequeno como uma cama.