O meio

O problema do meio e só este e mais nenhum.
O meio já não existe.
Estrategicamente, claro que existe. Bolas. Não me levem tanto à letra. Existe nos lugares do cinema, na fila do supermercado, na escala das notas do colégio.
Agora aqui entre nós que ninguém nos está a ler.
O meio não serve para nada.
Se o pudessemos cumprimentar, seria um daqueles homens baixinhos e carecas, conformados com a vida de pastinha na mão. Sorridente, mas não em demasia. Com contas para pagar, mas não muitas. Uma vida média, vá, uma esperança de 60 anos para o senhor meio. Não seria casado porque uma mulher exige muita paciência (e não apenas alguma), não teria filhos porque para isso ainda é precisa uma mulher que os carregue. Por isso, não teria netos, nem cães, nem grandes despesas. Seria simplesmente mais um meio, no meio de nada de especial.
Ninguém quer estar no meio. Bolas. Mesmo logisticamente. Na fila do supermercado. Podiamos estar sempre um lugar mais à frente, se ao menos tivesse demorado menos tempo a escolher o shampoo não me tinham ultrapassado e eu já estaria a menos de meio da caixa de pagamento. Nos lugares do cinema. Se as filas tivessem apenas três lugares e o cinema pegasse fogo, os das pontas safavam-se e o do meio? Que se aguentasse.
O meio não serve. Ninguém quer meio. Ou se quer quente, ou frio. Quando se pede um bife médio, encolhe-se os ombros do género "oh, vá, até pode ser, um bife assim-assim nem cai mal de vez em quando.." e como se o cozinheiro nos compreendesse, aceita o pedido com um sorriso simples de compaixão, "coitado deste, quer um bife intermédio..."
Afinal. O que é o meio? Alguém quer estar sempre, sempre no meio? Não é uma espécie de limbo terreno, onde esperamos (im)pacientemente pelo patamar seguinte? É o degrau entre as escadas rolantes, as que sobem e mesmo as que descem. É qualquer coisa, qualquer coisa que toda a gente precisa. O meio é "dar a parte fraca". É uma fase intermédia sim, uma fase necessária para nos mostrar a diferença entre subir e descer, as escadas rolantes sem meio tinham apenas um sentido e isso também ninguém pediu, ninguém pediu um bife bem passado para 10 milhões de portugueses. Há portugueses adeptos do meio-termo.
Bolas. Afinal o meio faz falta. Afinal seja quem for que construiu este mundo fê-lo bem demais, pensou em todos os pormenores antes de nós. Quando parece que chegamos a uma conclusão, o meio puxa-nos o tapete e damos um espalho em pleno raciocínio, que vergonha!
O meio. A verdade é que é como um apêndice das pessoas, para onde quer que vamos, ele está lá, a espreitar. O homem baixo de pasta na mão.
O meio. É conformista ou corajoso?
É tímido ou incompreendido?
Faz-me bem, a mim?

O meio é (meio)irmão do tempo?