Se não a compreendessem tão bem, ela jurava que se ia embora. Pegava na trouxa e ia-se embora, sem se despedir das pessoas que a tinham visto crescer. Nem sequer ia deixar um post-it no frigorifico, nem sequer se ia dar ao trabalho de pedir que avisassem os outros. Ia, simplesmente. Não saberia bem para onde, porque nunca tinha sido muito boa a seguir indicações e muito menos as do seu coração, mas ia para algum lado. Onde houvesse luz o dia todo.
Porque as vezes pensava, Não preciso deles para nada. Pensava sinceramente, tão sinceramente que chegava a duvidar de todos os sentimentos que tinha. Se o amor que sentia por eles outrora parecera enorme, o que é que o fez mirrar tão rapidamente? A vaidade que se lhe tinha colado à pele ou o medo de ficar sozinha? Porque cada vez mais se convencia que todos os seus sentimentos eram tão opostos como Portugal e a Nova Zelândia, como se o amor tivesse exactamente a mesma base do ódio. Como se chegasse a um certo ponto em que já não conseguia distinguir com clareza nenhum dos dois. Por isso mesmo, pouco tempo depois de ter fixado os olhos num ponto qualquer e pensado que não preciso deles para nada, deixou de acreditar em si própria e em tudo o que sentia. Por isso mesmo nunca mais fixou os olhos num ponto qualquer, preferia abdicar desse pequeno prazer a duvidar de si daquela maneira outra vez. Jurou para nunca mais. Jurou que nunca mais pensaria em ir-se embora, quão grande fosse o problema. Porque tinha sempre quem a ajudasse, e na pior das hipóteses, beberia um pouco de veneno, iria parar ao hospital e ficaria tudo bem. Talvez não se livrasse de umas horas de psicólogo, mas mais uma vez, preferia isso a voltar a duvidar dos seus sentimentos. Seria precisamente por culpa deles que se iria embora, e seriam os mesmos que a levariam a voltar.
Assim sendo, não se livraria deles assim com tanta facilidade. E dava graças a si por isso, por ter tido oportunidade de os ter em primeiro lugar. Por ter chegado à conclusão que o peso era muito grande para suportar sozinha, e se fossem muitos sempre o podiam dividir. E no meio de tantas juras, percebeu que já era de manhã. Fez o pequeno-almoço e deixou-o ficar em cima da bancada da cozinha durante algum tempo. Tinha-se fixado na luz, porque assim terminava a história da rapariga que tinha encontrado um sítio onde era de dia o tempo que ela quisesse. Pelo menos enquanto os tivesse.