Qual é a chave?

Na verdade, esta não é a real pergunta. Devia ter começado por perguntar onde é que está a chave. Quem foi o idiota que teve a brilhante ideia de inventar uma chave, como se nós seres humanos já não tivessemos trabalho suficiente só de pensar que há fechaduras e consequentemente algumas coisas nos podem ser dificultadas. E se houve alguém que a inventou, onde é que ele está. Queremos moradas. Queremos o sangue dele servido em copos de cristal.
Porque todos queremos a chave. Dos corações uns dos outros. Das verdades universais, até da gaveta que esconde o número exacto do pi. Mesmo que não nos interesse nada, queremos respostas.
Dos corações uns dos outros. De todos os corações e mais alguns, mas especialmente daqueles que não podemos ter. Daqueles que demoram mais tempo do que estamos dispostas a esperar para abrir. Um bocadinho de nada, tão superficial que até custa acreditar que esperamos aquele tempo todo para aquilo. Para receber tão pouco! É o problema das fechaduras, pelo menos para quem as vê de fora. Com tristeza. Que nem aquele nem os outros corações finalmente compreendam que as fechaduras não servem para nada. Só para complicar.
E quando finalmente compreendem, aos poucos começam a abrir-se. Como as primeiras flores da Primavera, tímidas quanto podem. Reclamam, mas abrem. Não as fechaduras, nunca as fechaduras.
Isso implicaria a chave.
E quando nos começamos a aproximar mais e mais da fechadura, tanto que as frestas abertas são mais que muitas e começam a pressionar, a pressionar, a pressionar até que quebre, água mole em pedra dura tanto bate até que fura, a quebrar a quebrar e está ali a fechadura mesmo à nossa frente, tão perto que cheiramos a ferrugem e tocamos-lhe e...
Abri-la implicaria a chave.
Até que encontramos o chaveiro. Em todo o seu sentido figurativo, claro. Encontramo-lo, à porta de nossa casa. Ou não. Dentro da nossa cabeça. Encontramos as pegadas molhadas e um monte de chaves caídas. Com diferentes etiquetas identificativas, como num chaveiro de um porteiro. Com tantas que era exactamente a mesma coisa que não ter nenhuma. No meio de meio milhão, ali estava ela. No meio de mil milhões de nomes que já nos interessaram, estava ela. Tão pequenina.
E é assim mesmo que as coisas acontecem. Quando a podemos ter, já não queremos. Perdemos o interesse, pura e simplesmente por termos de procurar demasiado. E será que é assim mesmo que está destinado a ser? Haverá chave para isto?