Com kel dia

correu tudo mal. Primeiro que tudo, não choveu e, por si só, não chover em Novembro já era razão mais do que suficiente para correr tudo mal.
Teve má nota na sua disciplina favorita, que desilusão! Tropeçou à saída do autocarro, que desastrado! Perdeu o dinheiro do almoço, que fome!
Enfim, kel dia não era definitivamente o seu. Sentia-se ansioso, sem saber porquê. Apetecia-lhe mudar de cidade, mudar de corpo, respirar outra coisa. E tinha-se conformado sem saber porquê. Conformado com as datas. Conformado por ser mandado pelas horas, pela luz do Sol e tudo sem saber porquê. Não compreendia mas conformava-se, pronto. Porque a vida era assim, kel dia é que não. Quem é que estava errado, a vida ou ele? Quem é que se tinha habituado a quem primeiro? Tinha muitas perguntas e muito pouca gente que lhe respondesse. Muita tristeza acumulada e muito poucas maneiras de a libertar, de a mandar para outro país qualquer. Em correiro azul.
No fundo, kel dia sentia-se demasiado dentro do corpo. E se afinal este não lhe pertencesse? Se uma câmara pudesse filmar através dos seus olhos, as pessoas veriam um mundo extremamente acelarado em comparação à pessoa que o via. Progredia a grande velocidade e ele não. Ninguém tinha os problemas que ele tinha. Como se ele próprio não fosse gente. Toda a gente passava por ele, mas não o viam. Não o sentiam, como o poderiam sentir? Ele é que sentia tudo, sentia demais. Como se pudesse cortar as sensações às postas e dá-las a alguém que precisasse. Haveriam mais pessoas como ele? E de qualquer maneira, mesmo que houvessem, o que fazer? Toda a gente enfiada no seu mundo, com medo de se mostrar. Porque kel dia tinha os seus problemas sim, mas pareciam monstruosos ao resto das pessoas. Porque nem sequer tinham o mesmo problema; não era problema deles. Kel dia sentia-se um exagerado, um pateta paranóico mas queria ser visto. Queria ser estudado, como um caso extremamente particular, e libertado da prisão do corpo. Mas com kel dia correu tudo errado.
Dias não são dias. Quantos kel dias não conhecemos?
Kel dia será dia?