Esperei que a porta abrisse. Estava com pressa, mas não me apeteceu ir de escadas. Meu Deus, como detesto ir acompanhada nos elevadores.
- Vai para qual?
- Desculpa?
- Perguntei-lhe para que andar ia.
Começou a rir.
- Desculpa lá, tens que falar mais alto que eu sou surda.
- Já tinha reparado.
- O quê filha?
- Disse que já tinha reparado.
"Se já tinhas reparado podias-me ter poupado o trabalho". Aposto que foi isto que a mulherzinha pensou, enquanto saiu do elevador e me deixou a olhar para ela enquanto se afastava, apoiada numa bengala de qualquer coisa a imitar madeira. Porque é que as pessoas nunca estão satisfeitas? Se algum dia o estiverem, duvido que o reconheçam. Nunca experienciaram outra coisa que não a insatisfação constante, o espiríto da reclamação presente em todas as coisas do dia-a-dia. Até numa velha surda. O que é que ela tem a menos? Nada. Pensam todos da mesma maneira, surdos ou menos surdos. Se em vez de ter optado pelo tom de voz normal, tivesse gritado mal tivesse visualizado o aparelho auditivo encaixado na sua orelha
- Para que andar é que vai?
provavelmente ela teria feito uma cara desagradada, enrugava a testa e dizia
- Ai filha, não fales tão alto que faz o aparelho estremer, não vês que sou surda?
Assim, o mundo nunca está satisfeito. Dizem que é difícil compreender as mulheres, mas isso é só porque fazem demasiado som à sua volta. Os homens também não são propriamente uns santos, uns mudos. Uns satisfeitos com a vida. São igualmente difíceis de compreender porque falam. Porque reclamam. Porque tal e qual como as mulheres, dizem o que pensam (e se eles pensam...)e falam de mais. Se ao menos ouvissem tanto quanto falam.. O mundo seria mais equilibrado. Mas não. Calhou-nos a nós o papel de surdas. O papel de chatas, de insatisfeitas.
E se toda a gente gritasse? Como se fossemos todos surdos. Se ao menos houvessem algumas leis que ainda fossem cumpridas. Se ao menos as pessoas ainda se escutassem umas às outras, sem ser preciso gritar. Se ao menos eu fosse possível de satisfazer..
