Gosto muito de pensar. Nada me dá mais gozo do que ir no autocarro depois das aulas, de cabeça encostada ao vidro que divide a rua do meu pensamento,
- tenho a certeza que quando morrer, a parte do meu crânio que ia encostada ao vidro da janela do autodo carro vai estar mais achatada do que todo o resto, de tanto encosto, batidela e travagem
fixar os olhos num posto qualquer, até podia ser numa mão de veias salientes que procura uma mão pequenina para esta não fugir,
- não fosse o senhor condutor fazer uma travagem brusca e a criancinha saísse disparada pelo minúsculo pedaço de janela aberto
e pensar. Em exactamente o quê não sei, em tudo e em nada, mas é por essa razão que sabe tão bem. Passo o dia todo a falar, a falar,
- dizem que em média, uma pessoa passa 2 anos da sua vida a falar, mas eu prefiro acreditar que não, até porque em dois anos se constrói um centro comercial e eu tenho a certeza que pelo menos eu falo mais do que demorou a construção do Colombo ou do freeport
a falar de coisas concretas e a usar palavras caras com os professores, a cantar e a dizer disparates com as minhas amigas, a pensar metodicamente, como se a minha vida dependesse da resolução daquela progressão aritmética sem usar a calculadora (que proeza!), sempre com a cabeça muito ocupada, sempre com palavras a entrarem pelos dois ouvidos, a misturarem-se com as minhas, a matar qualquer tentativa de pensamento despropositado de motivo ou lógica.
Por exemplo, adoro pensar no que vestir no dia seguinte. Pensar se está bom tempo mas não muito calor para poder usar aquela camisa aos quadrados que me faz lembrar a Amy Winehouse; pensar nele quando há um "ele" em que pensar, saber que tenho 3 testes naquela semana e ainda não tinha pegado num livro
- podia ser que com sorte me saísse um 14 e afinal de contas sai 16. Bolas que sou inteligente! Sou tão inteligente que me esqueço do fato de educação física; de levar dinheiro a contar com o café e a sande com fiambre no intervalo de 20 minutos no Petit; que me esqueço de comprar folhas de ponto ou com a pressa, me esqueço do telemóvel em dias que não me poderia esquecer de todo!
Falta de organização, diria a minha mãe. " Se pensasses mais nas coisas, já não tinha de te levar livros ao colégio!" É esse o meu problema diria eu. Penso de mais.